segunda-feira, 18 de março de 2013

Sobre a curiosidade

 


Muitas vezes, o que leva um professor ou uma professora à sala de aula é uma curiosidade, uma inquietação, uma vontade de ensinar, mas também de conhecer e de transformar. E é essencial que seja assim.

Sem humildade, sem esperança na transformação e sem encantamento pelo mundo e pelas pessoas que o habitam, não há curiosidade. Sem curiosidade, por outro lado, não há educação.

E para essa reflexão, trazemos dois textos. O primeiro foi retirado do livro Pedagogia da Autonomia, do inspirador capítulo“Ensinar exige curiosidade”, do educador brasileiro Paulo Freire. Já o segundo, traz um trecho do Dia do Curinga, de Jostein Gaarder, um clássico da literatura infanto-juvenil.

Boa leitura!

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Crea+ na Escola Estadual Daniel Verano
2012
 
 “Como professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino. Exercer a minha curiosidade de forma correta é um direito que tenho como gente e a que corresponde o dever de lutar por ele, o direito à curiosidade. Com a curiosidade domesticada posso alcançar a memorização mecânica do perfil deste ou daquele objeto, mas não o aprendizado real ou o conhecimento cabal do objeto. A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o exercício da curiosidade, sua capacidade críticade “tomar distância” do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de “cercar” o objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de comparar, de perguntar.

Estimular a pergunta, a reflexão crítica sobre a própria pergunta, o que se pretende com esta ou com aquela pergunta em lugar da passividade em face das explicações discursivas do professor, espécies de respostas a perguntas que não foram feitas. Isto não significa realmente que devamos reduzir a atividade docente em nome da defesa da curiosidade necessária, a puro vai-e-vem de perguntas e respostas, que burocraticamente se esterilizam. A dialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto. O fundamental é que o professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos.

Neste sentido, o bom professor é o que consegue, enquanto fala, trazer o aluno até a intimidade do movimento de seu pensamento. Sua aula é assim um desafio e não uma "cantiga de ninar". Seus alunos cansam, não dormem. Cansam porque acompanham as idas e vindas de seu pensamento, surpreendem suas pausas, suas dúvidas, suas incertezas.

Crea+ na Escola Estadual Daniel Verano
2012

Crea+ na Escola Estadual Daniel Verano
2012

Antes de qualquer tentativa de discussão de técnica, de materiais, de métodos para uma aula dinâmica assim, é preciso, indispensável mesmo, que o professor se ache "repousado" no saber de que a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. É ela que me faz perguntar, conhecer, atuar, mais perguntar, re-conhecer.

Boa tarefa para um fim de semana seria propor a um grupo de alunos que registrasse, cada um por si, as curiosidades mais marcantes por que foram tomados, em razão de que, em qual situação emergente de noticiário da televisão, propaganda, de videogame, de gesto de alguém, não importa. Que "tratamento" deu à curiosidade, se facilmente foi superada ou se, pelo contrário, conduziu a outras curiosidades. Se no processo curioso consultou fontes, dicionários, computadores, livros, se fez perguntas a outros. Se a curiosidade enquanto desafio provocou algum conhecimento provisório de algo, ou não. O que sentiu quando se percebeu trabalhando sua mesma curiosidade.

(...)

o exercício da curiosidade convoca a imaginação , a intuição, as emoções, a capacidade de conjecturar, de comparar, na busca da perfilização do objeto ou do achado de sua razão de ser”.

***

O Dia do Curinga, do norueguês
Jostein Gaarder
 “– E foi então que um cidadão de Atenas veio até o oráculo de Delfos e quis saber de Apolo quem era o homem mais inteligente de Atenas. E o oráculo respondeu: ‘Sócrates’. Quando Sócrates soube disso, ficou absolutamente perplexo, para dizer o mínimo, pois ele próprio não se considerava nem um pouco inteligente. Mas depois de procurar todas as pessoas que eram consideradas mais inteligentes do que ele e de lhes fazer umas perguntas bem capciosas, Sócrates acabou reconhecendo que o oráculo tinha razão. A diferença entre Sócrates e todos os outros era que os outros estavam de todo satisfeitos com o pouco que sabiam, embora não soubessem mais do que ele. E as pessoas que se sentem satisfeitas com o que sabem nunca poderão ser filósofos.

Achei a história bastante convincente, mas meu pai ainda não tinha terminado. Ele apontou, então, para todos aqueles turistas que saíam aos montes dos ônibus estacionados lá embaixo, perto da entrada, e subiam como formigas pelo terreno acidentado onde estavam as ruínas do templo.

– Se no meio de todas essas pessoas houver apenas uma que se surpreenda com a vida a cada instante e tenha a sensação, toda vez que isso acontece, de estar diante de algo fabuloso e enigmático…—Respirou fundo e prosseguiu: — Você está vendo um monte de gente lá embaixo, não está, Hans-Thomas? Pois bem… se apenas uma delas experimentar a vida como uma aventura fantástica… e se ele ou ela experimentar essa sensaçãotodos os dias…

– Sim? — perguntei ansioso, pois pela segunda vez ele não tinha completado o que queria dizer.

Ele ou ela será um curinga no baralho.”

 

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